Vasculites de Grandes e Médios Vasos

SUMÁRIO

Introdução

As vasculites são um grupo heterogêneo de doenças inflamatórias que afetam os vasos sanguíneos, podendo comprometer artérias de diferentes calibres. Essas condições podem resultar em inflamação vascular, hemorragia, isquemia, infarto e necrose tecidual, levando a diversas manifestações clínicas. Neste artigo, discutiremos as principais vasculites que afetam vasos de grande e médio calibre, sua classificação, investigação diagnóstica e opções terapêuticas.

Definição e Classificação

A classificação mais amplamente aceita das vasculites foi proposta pelo Consenso de Chapel Hill em 1994 e revisada em 2012. Ela divide as vasculites conforme o calibre dos vasos acometidos:

• Grandes vasos: Arterite de Takayasu e Arterite de Células Gigantes.
• Médios vasos: Poliarterite Nodosa e Doença de Kawasaki.
• Pequenos vasos: Vasculites ANCA-associadas e vasculites por imunocomplexos.
• Vasos de calibre variável: Doença de Behçet.

Embora essa classificação seja amplamente utilizada, algumas vasculites podem afetar vasos de diferentes calibres. Essa distinção auxilia no diagnóstico e tratamento dessas doenças.

Sintomas

Embora sintomas sistêmicos como febre, fadiga, perda de peso e artralgias não sejam específicos, são comuns em vasculites. Alguns achados clínicos podem sugerir síndromes vasculíticas específicas:

  • Inflamação ocular (ex: esclerite): Pode indicar vasculite.
  • Crosta nasal persistente, epistaxe ou doença das vias aéreas superiores: SugereGranulomatose com Poliangiite (GPA).
  • Queda aguda do pé ou do punho: Pode indicar neuropatia motora causada por isquemia vasculítica.
  • Claudicação de membros em indivíduos jovens: Sugere Arterite de Takayasu (TAK) ou Arterite de Células Gigantes (ACG).
  • Hemoptise inexplicada: Levanta suspeita de hemorragia alveolar e vasculite ANCA-associada (AAV).
  • Glomerulonefrite: Deve ser investigada para vasculite (AAV, doença anti-MBG).
  • Síndrome pulmão-rim (hemorragia pulmonar + insuficiência renal): Sugere vasculite.
  • Vasculite induzida por drogas: Deve-se considerar uso recente de medicamentos ou cocaína.

 

Padrões de idade e sexo:

  • GPA & Poliarterite Nodosa: Início por volta dos 45-50 anos.
  • Púrpura de IgA & TAK: Mais comum em jovens (17-26 anos).
  • ACG: Mais frequente em idosos (~69 anos) e em mulheres.
  • TAK & ACG: Mais comuns em mulheres.

Exame Físico

O exame físico detalhado auxilia na identificação do envolvimento vascular e danos a órgãos. Achados importantes incluem:

  • Neuropatia (déficit sensorial/motor): Comum em muitas vasculites neuropáticas (ex: mononeurite múltipla, polineuropatia).
  • Púrpura palpável: Fortemente sugere vasculite leucocitoclástica cutânea, mas nem toda púrpura indica vasculite.
  • Pulsos ausentes, diminuídos ou dolorosos, sopros vasculares ou discrepância de pressão arterial: Sugere vasculite de grandes vasos (ex: TAK, ACG).
  • Exame vascular: Essencial para vasculites de grandes vasos, incluindo palpação de pulsos arteriais (radial, braquial, carótida, femoral, poplítea, tibial posterior, pediosa) e ausculta de sopros vasculares (carótida, subclávia, artérias renais, femorais, aorta torácica e abdominal).

Investigação Diagnóstica

O diagnóstico das vasculites exige uma abordagem multidisciplinar, incluindo:

  • VHS e Proteína C Reativa (PCR).
  • Exames hematológicos: Hemograma, creatinina, transaminases e urina tipo 1.
  • Exames de imagem: Raio-X de tórax, ecocardiograma, tomografia computadorizada ou ressonância magnética.
  • Sorologias e autoanticorpos: Testes para hepatites, anticorpos anti-DNA, fator reumatoide, ANCA, crioglobulinemia e complemento.

Antígenos específicos

O ANCA é fundamental para o diagnóstico de vasculites ANCA-associadas, mas não tem relevância para outras vasculites.


Não se deve pedir separadamente os testes para p-ANCA e c-ANCA. O exame solicitado deve ser ANCA, e o laboratório fará a distinção entre os padrões em caso de positividade.


O principal antígeno do c-ANCA é a proteinase 3, encontrada nos grânulos azurófilos dos neutrófilos. Por isso, algumas referências preferem relatar a positividade do anticorpo antiproteinase 3, em vez do c-ANCA, na granulomatose de Wegener—embora ambos sejam equivalentes na prática. Da mesma forma, há uma correlação entre p-ANCA e os anticorpos antimieloperoxidase.

Níveis de VHS e PCR na Atividade da Arterite

Quando a arterite (como a Arterite de Células Gigantes – ACG ou a Arterite de Takayasu) está ativa, os marcadores inflamatórios como a Velocidade de Hemossedimentação (VHS) e a Proteína C Reativa (PCR) costumam estar elevados.


Níveis de VHS na Arterite Ativa
Faixa típica na doença ativa:

  • Arterite de Células Gigantes (ACG): Frequentemente > 50 mm/h, podendo ultrapassar 100 mm/h.
  • Arterite de Takayasu: Geralmente > 40-50 mm/h, mas pode ser menor em alguns casos.

 

Níveis de PCR na Arterite Ativa
Faixa típica na doença ativa:

  • PCR geralmente > 10 mg/L, podendo chegar a 50-100 mg/L ou mais nos casos graves.

 

PET-CT e Ressonância Magnética na Identificação da Atividade

A Tomografia por Emissão de Pósitrons com Tomografia Computadorizada (PET-CT) é especialmente útil para detectar inflamação ativa em vasculites de grandes vasos, como a Arterite de Células Gigantes (ACG) e a Arterite de Takayasu.


Mecanismo:

O PET-CT com 18F-fluorodesoxiglicose (FDG) detecta o aumento da captação de glicose na parede dos vasos inflamados, pois células inflamatórias (macrófagos e linfócitos T ativados) apresentam alta atividade metabólica.


Achados na Arterite:

Aumento da captação de FDG ao longo da parede dos vasos (especialmente em artérias grandes como a aorta e seus ramos). Captação difusa ou focal nas áreas afetadas.

O Valor de Captação Padronizado (SUV) é usado para quantificar a inflamação.
Ajuda a diferenciar entre fases ativas e crônicas da arterite.


Limitações: Pode não diferenciar arterite de aterosclerose (embora a arterite geralmente mostre uma captação mais difusa e homogênea).

Ressonância Magnética (RM) na Arterite

A Ressonância Magnética (RM) com contraste (Angiografia por RM – MRA) ou imagens da parede vascular fornece informações detalhadas sobre estrutura e inflamação.


Mecanismo:

A RM permite visualizar o espessamento da parede dos vasos, edema e realce pelo contraste, indicando inflamação.

  • Achados na Arterite:
    Imagem ponderada em T2: Mostra edema da parede do vaso (indicativo de inflamação aguda).
  • Imagem ponderada em T1 com contraste (RM com gadolínio): Demonstra realce da parede do vaso devido à hiperemia e inflamação.

 

Angiografia por RM (MRA): Identifica estreitamentos luminais, estenose e oclusões, sendo útil para avaliar complicações.

  • Vantagens: Imagem de alta resolução da parede vascular, sem exposição à radiação.
  • Limitações: Tempo de aquisição mais longo, possíveis restrições ao uso de contraste em pacientes com insuficiência renal.

Arterite de Células Gigantes (Arterite Temporal)

Afeta predominantemente idosos, especialmente mulheres acima de 50 anos, com predileção pelos ramos da artéria carótida. O principal risco é a neurite óptica isquêmica, podendo levar à cegueira irreversível.
Diagnóstico: VHS e PCR elevados, bópsia da artéria temporal, ultrassom Doppler de alta resolução.
Tratamento: Prednisona 1 mg/kg/dia por 2 a 4 semanas, com redução gradual. Casos graves ou refratários podem necessitar de metotrexato ou tocilizumabe.

Arterite de Takayasu

Condição inflamatória crônica que afeta a aorta e seus principais ramos, sendo mais comum em mulheres jovens.
Diagnóstico: Aortografia e angiorressonância. A artéria subclávia é acometida em 93% dos casos.
Tratamento: Corticoterapia, revascularização (bypass ou angioplastia), uso de imunossupressores em casos refratários.

Classificação da Arterite de Takayasu

A arterite de Takayasu pode ser classificada de acordo com os vasos acometidos, com base na Classificação de Tóquio:

  • I: Envolvimento apenas dos ramos do arco aórtico.
  • IIa: Acometimento da aorta ascendente, arco aórtico e seus ramos.
  • IIb: Afeta a aorta ascendente, arco aórtico e seus ramos, além da aorta descendente.
  • III: Envolve a aorta descendente torácica e abdominal, além de seus ramos.
  • IV: Acometimento da aorta abdominal e seus ramos.
  • V: Envolve toda a aorta e seus ramos.

Classificação de Lupi-Herrera

Essa classificação foi introduzida por Lupi-Herrera et al. em 1977 para descrever os diferentes padrões de envolvimento vascular na Arterite de Takayasu.

A doença é dividida em seis tipos, com base na distribuição das lesões vasculares:

Tipo I – Envolvimento do arco aórtico e seus ramos.

Tipo IIa – Envolvimento da aorta ascendente, arco aórtico e seus ramos.

Tipo IIb – Envolvimento da aorta ascendente, arco aórtico e seus ramos, além da aorta torácica descendente.

Tipo III – Envolvimento da aorta torácica descendente, aorta abdominal e/ou artérias renais.

Tipo IV – Envolvimento da aorta abdominal e/ou artérias renais.

Tipo V – Envolvimento tanto do arco aórtico + seus ramos quanto da aorta toracoabdominal + seus ramos (ou seja, uma combinação do Tipo I e Tipo III ou IV).

Doença de Kawasaki

Vasculite infantil que pode levar a aneurismas coronarianos.
Diagnóstico: Febre prolongada, conjuntivite, eritema oral, exantema, edema de extremidades e linfonodomegalia cervical.
Tratamento: Ácido acetilsalicílico e imunoglobulina intravenosa na fase aguda. Corticoides podem ser considerados em casos refratários.

Poliarterite Nodosa (PAN)

Vasculite necrosante que afeta artérias de médio e pequeno calibre, sem envolvimento pulmonar.
Diagnóstico: ANCA negativo, presença de microaneurismas em artérias mesentéricas e renais.
Tratamento: Prednisona e, em casos graves, ciclofosfamida. Se associada à hepatite B, considera-se antivirais.

Doença de Behçet

Vasculite multissistêmica que pode afetar vasos de diferentes calibres, com manifestações como úlcerações orais e genitais, além de uveíte.
Complicações: Aneurismas de artéria pulmonar (principal causa de óbito), tromboses venosas e arteriais.
Tratamento: Colchicina e imunossupressores. Casos graves podem necessitar de agentes biológicos (ex: infliximabe, adalimumabe).

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